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São Paulo – Em uma tarde comum de terça-feira, no agito da redação, eu me preparei para mais uma entrevista de rotina. O tema era a ascensão de um novo nome no cenário da arquitetura sustentável brasileira. O que eu não poderia imaginar era que aquela conversa, marcada para durar uma hora, iria desvendar uma história familiar enterrada pelo tempo e pela geografia, revelando que eu e meu entrevistado éramos, na verdade, parentes distantes.

Meu entrevistado, que chamarei de Rafael Costa, chegou pontualmente ao café combinado na Vila Madalena. Elegante e tranquilo, ele era o retrato do sucesso profissional que eu esperava encontrar. A conversa começou como centenas de outras que já conduzi: projetos visionários, conceitos de urbanismo, desafios da profissão. A química era boa, e o papo fluía naturalmente.

Como costumo fazer para humanizar as matérias, gosto de tocar no assunto das origens das pessoas. Perguntei sobre suas influências, sobre o que o motivou a seguir esse caminho.

“Minha família sempre valorizou a construção”, ele disse, tomando um gole de seu café. “Meu bisavô, pelo lado da minha mãe, era um mestre de obras no interior de Minas Gerais. Ele veio para São Paulo nos anos 50, praticamente com uma mala de roupas e uma caixa de ferramentas. A história dele sempre me inspirou.”

Um detalhe me chamou a atenção. “Minha família também é de Minas”, comentei, mais para criar empatia do que qualquer outra coisa. “Minha avó materna era de uma cidadezinha próxima de [Nome Fictício de uma Cidade]. Ela sempre falava que o pai dela, meu trisavô, também era construtor e que se mudou para o Rio de Janeiro antes de vir para cá. Dizia que ele tinha um irmão que ficou para trás e perderam o contato.”

Rafael inclinou a cabeça, interessado. “Que coincidência. A cidade da minha família é perto daquela região. E o nome do meu bisavô era Heitor.”

O ar pareceu sair do meu peito. Eu me encostei na cadeira, tentando processar a informação. “Heitor?”, repeti, minha voz quase um sussurro. “O meu trisavô… o irmão que ficou em Minas… os registros da família dizem que seu nome era Heitor.”

O silêncio que se instalou entre nós era pesado, carregado de uma incredulidade palpável. Dois completos estranhos, sentados em um café em São Paulo em pleno século XXI, conectados por uma história do início do século passado.

O que se seguiu foi uma troca frenética de informações. Nomes de parentes, cidades, profissões, histórias de família que ecoavam uma à outra de uma forma que era impossível ignorar. A entrevista profissional foi completamente abandonada. Em suas telas de celular, fotos desbotadas de álbuns de família digitalizados revelavam rostos com traços surpreendentemente familiares.

Aos poucos, reconstruímos a história: dois irmãos, filhos do mesmo pai e da mesma mãe, separados pelas circunstâncias difíceis da época. Um partiu para tentar a vida no eixo Rio-São Paulo. O outro permaneceu em Minas Gerais. Com o tempo, as cartas pararam de chegar, as notícias se perderam e as famílias cresceram como duas árvores distintas, sem saber que compartilhavam as mesmas raízes.

No final daquela tarde, não nos despedimos como jornalista e fonte. Nos despedimos como primos em terceiro grau, com um abraço apertado e a promessa de uma reunião de família inusitada. Combinamos de juntar fotos, documentos e apresentar nossas famílias umas às outras.

Saí dali com uma lição poderosa: o Brasil pode ser um país continental, nossas vidas podem ser corridas e anônimas, mas os laços que nos unem são mais resistentes e surpreendentes do que podemos imaginar. Às vezes, o destino nos coloca frente a frente com nossa própria história nos lugares mais improváveis. No meu caso, foi em uma entrevista de trabalho, sobre arquitetura, em um café de São Paulo.

A matéria sobre arquitetura sustentável ficou para outro dia. Algumas histórias, afinal, são maiores do que qualquer deadline.